Algumas considerações sobre a interpretação da Bíblia
Pastor Washington Roberto Nascimento
A interpretação da Bíblia deve levar em conta o fato de que ela foi escrita para pessoas que viveram há muito tempo, em um mundo diferente do nosso, onde as pessoas falavam uma língua diferente, e tinham valores culturais, também, diferentes dos nossos.
O estudioso da Bíblia hoje tem um grande desafio: a distância. Esse é um obstáculo muito difícil. Há a distância temporal, geográfica, de língua e de cultura, isto é, de visão do mundo. Estar consciente disso é importante para uma interpretação correta da Bíblia. Até o significado das palavras mudam com o passar dos anos. Não devemos ignorar esses fatos.
No estudo da Bíblia, o intérprete precisa saber que um evento Bíblico normalmente aconteceu antes de seu registro. Esta é uma outra coisa que não deve ser olvidada.
No Livro de Gênesis, por exemplo, temos as histórias que foram transmitidas oralmente e só muito tempo depois escritas; e não apenas a criação do universo, mas as partes relacionadas aos patriarcas Abraão, Isaque, Jacó e seus filhos. De acordo com os estudiosos, a língua hebraica surgiu por volta do ano 1000 a. C. Assim sendo, não há possibilidade de nenhum texto bíblico escrito em hebraico antes dessa data.
Com o proposto de ajudar na interpretação bíblica, aconselhamos que você sempre considere o seguinte:
1. O propósito do escritor ao escrever aquele texto;
2. Como os destinatários daquele texto o interpretaram;
3. Como, ao longo da história, tal texto tem sido interpretado.
Podemos fazer perguntas ao texto que o seu escritor e os seus destinatários originais não estavam interessados em responder. E não devemos nos desesperar caso não encontremos respostas para as nossas perguntas de hoje. Não adianta o desespero. O que podemos e devemos fazer é mudar nossa postura diante do texto; mudar nossa abordagem. Não faz sentido ler um livro de receitas de bolo e começar a perguntar ao livro: 1) como inventaram a forma de bolo? 2. Como foi que o açúcar se transformou em cristais granulados? Quem inventou o bolo? Quem descobriu a técnica da fermentação? Etc. Ora, o livro de receitas não tem o propósito de responder a tais perguntas mesmo que elas sejam relacionadas ao tema. Não encontrar respostas a essas perguntas em um livro de receitas não é culpa do livro e seu escritor. A mesma coisa podemos dizer a respeito da Bíblia.
Podemos negligenciar ou até mesmo ignorar os ensinos mais importantes do texto bíblico para o seu escritor e para os seus destinatários originais, tudo porque estamos focados em coisas que não eram do interesse ou preocupação original do escritor e seus leitores de seu tempo.
Há textos que têm palavras ou ideias que podem ser facilmente transformadas em grandes questões quando, na verdade, não merecem tal destaque. Pois, são palavras ou ideias pequenas ou até mesmo insignificantes à luz do ensino do Evangelho da Salvação de Deus por meio da fé em nosso Senhor Jesus Cristo.
Podemos facilmente exagerar o significado de um texto, isto é, de uma palavra ou ideia, que nunca foi realmente objeto de preocupação ou interesse do escritor original do texto.
Não transforme questões menores de um texto bíblico em grandes crises espirituais ou debates infrutíferos para nossa vida com Deus, nossa comunhão na igreja e na obra de evangelização.
Precisamos ser sábios e evitar fazer tempestade com um pequeno copo d`água. Há, inclusive, temas que podem ter tido o seu valor em um determinado momento da história da revelação de Deus, mas que perdeu o seu valor e sentido hoje.
O apóstolo Paulo nos adverte em sua Carta a Tito para não entrarmos em questões loucas e debates sobre questões inúteis e vãs.
“Mas não entres em questões loucas, genealogias e contendas e nos debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs” (Tt. 3:9).
Encontramos, basicamente, a mesma advertência do apóstolo Paulo em sua II Carta a Timóteo. Ele nos pede que rejeitemos as questões loucas e sem instrução que geram contendas.
“E rejeita as questões loucas e sem instrução, sabendo que produzem contendas” (II Tm. 2:23).
Houve um tempo, na história bíblica, que a circuncisão tinha o seu lugar, o seu valor. Porem, à luz do Novo Testamento, aprendemos que a única circuncisão que tem valor é a do coração e não a da carne.
Vejamos alguns textos bíblicos a propósito desse fato:
“Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará”.
“E, de novo, protesto a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei” (Gl. 5:2,3).
“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne”.
“Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão, a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus” (Rm. 2:28-29).
“Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão; Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne” (Fp. 3:2-3).
“Em Cristo Jesus estais circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo da carne: a circuncisão de Cristo; Sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos. E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas” (Cl. 2:11-13).
É interessante observar a interpretação ou reinterpretação do Antigo Testamento por parte do apóstolo Paulo, a partir de sua experiência com o Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Um exemplo para todos nós de ousadia, inteligência, sabedoria, coragem.
No Antigo Testamento já temos o ensino de que o importante para Deus é a circuncisão do coração, o ser interior, e não da carne.
Deuteronômio 10:16
“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz”.
Deuteronômio 30:6
“E o Senhor, teu Deus, circuncidará o teu coração e o coração de tua semente, para amares ao Senhor, teu Deus, com todo o coração e com toda a tua alma, para que vivas”.
Jeremias 4:4
“Circuncidai-vos para o Senhor e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitantes de Jerusalém, para que a minha indignação não venha a sair como fogo e arda de modo que não haja quem a apague, por causa da malícia das vossas obras”.
Quando lemos a Bíblia com atenção, aprendemos com os seus escritores como interpretá-la de maneira criativa, ousada, sabia, inteligente. Precisamos fugir de interpretações engessadas, estéreis, mutiladoras, castradoras. Corremos o risco de usar a Palavra de Deus contra o próprio Deus, contra o Seu Espírito, e contra o que ela mesma nos propões à luz de seus profetas (Isaías, Jeremias, Ezequiel, etc.) e de seus apóstolos (Pedro, Paulo, João, etc), e do próprio Filho de Deus, o Senhor Jesus Cristo, o Mestre que interpretou de maneira ousada, criativa, ungida, revolucionada a Palavra do Pai.