Algumas considerações sobre o Livro de Levítico na Bíblia
Pastor Washington Roberto Nascimento
1. Precisamos não apenas ler o texto bíblico, precisamos saber lê-lo. Esse princípio é importante para toda a Bíblia e de maneira especial para o livro de Levítico e várias outras partes de vários livros do Antigo Testamento.
2. Na segunda metade do livro de Êxodo (Êx. 25-40) até o final do livro de Levítico, o foco muda para descrever o tabernáculo, as vestes sacerdotais e o sistema sacrificial levítico envolvendo a pessoa do sacerdote, seu ofício, os sacrifícios, etc.
3. Para fazer a leitura desses textos sobre os sacrifícios, as ofertas, os sacerdotes, suas roupas e deveres, é preciso se preparar espiritualmente e mentalmente, pois caso contrário, podemos ignorá-los completamente esses capítulos apontam claramente para o futuro trabalho e ministério de Jesus.
4. Podemos nos chocar com os sacrifícios de animais (Lv. 1:1-17) e com as ofertas de cereais (Lv. 2:1-16) para Deus. Por isso que é importante saber ler:
4.1. Compreender o contexto histórico e cultural – eram práticas comuns a todos os povos daquele tempo e, infelizmente, tais práticas ainda existem em alguns lugares por parte de algumas pessoas.
4.2. Compreender que todos esses sacrifícios e ofertas eram sombras do sacrifício e oferta de Jesus Cristo. O tabernáculo e o templo também apontam para Jesus. São sombras, imagens, tipos, figuras da pessoa e obra de Jesus Cristo.
4.3. Há informações nos textos sobre o tabernáculo, os sacrifícios e as ofertas que podemos não entender, por causa da distância, do lugar, da língua, etc. Mas certamente os seus destinatários imediatos entenderam.
4.4. Não devemos perder tempo com questões da lei (da Torah) que já consideramos vencidas com base na revelação de Jesus Cristo no Novo Testamento. Podemos e devemos saber, estudar, mas não discutir tolamente essas coisas.
Veja o conselho do apóstolo Paulo a Tito (Tt. 3:4-9).
Porém, quando Deus, o nosso Salvador, mostrou a sua bondade e o seu amor por todos, ele nos salvou porque teve compaixão de nós, e não porque nós tivéssemos feito alguma coisa boa. Ele nos salvou por meio do Espírito Santo, que nos lavou , fazendo com que nascêssemos de novo e dando-nos uma nova vida. Deus derramou com generosidade o seu Espírito Santo sobre nós, por meio de Jesus Cristo, o nosso Salvador. E fez isso para que, pela sua graça, nós sejamos aceitos por Deus e recebamos a vida eterna que esperamos. Esse ensinamento é verdadeiro. Quero que você, Tito, insista nesses assuntos, para que os que creem em Deus se interessem em usar o seu tempo fazendo o bem. Isso é bom e útil para todos. Mas evite as discussões tolas, as longas listas de nomes de antepassados , as brigas e os debates a respeito da lei dos judeus. Essas coisas são inúteis e sem valor (Tt. 3:4-9).
5 A palavra sangue, em hebraico, דָּם - (lê-se: dam), aparece 360 vezes na Bíblia Hebraica, das quais 88 vezes no livro de Levítico (Lv. 1:5 {2x}; 1:11,15; 3:2,8,13,17; 4:5; 4:6 {2x}; 4:7 {2x}; 4:16,17,18 {2x}; 4:25 {2x}; 4:30 {2x}; 4:34 {2x}; etc.). O eco dessa palavra se fez ouvir em Hebreus 9:22-28 e em outros textos do Novo Testamento, sempre apontando para o Sangue de Jesus Cristo (I Jo. 1:7; 2:2; Ef. 1:7; Cl. 1:20; I Pd. 1:18-19; etc.).
6. Outra palavra/ideia/ensino importante no livro de Levítico é santidade, que vem da palavra santo - קָדוֹשׁ – (lê-se: Kadosh). Essa palavra aparece 161 vezes na Bíblia Hebraica, das quais 20 vezes em Levítico (Lv. 6:26 {2x}; 6:27; 7:6; 10:13; 11:44 {2x}; 11:45 {2x}; 16:24; 19:2 {2x}; 20:7; 20:26 {2x}; 21:6, 7, 8 [2x}; 24:9). Os sacerdotes, os levitas, o povo, todos deviam ser santo porque Deus é Santo. Tudo isso aponta para Jesus, o Filho de Deus, que no Novo Testamento é chamado de Santo (Mc. 1:24; Lc. 4:34; Jo. 6:69; At. 13:35; Ap. 3:7; 16:5).
7. Outra palavra que merece destaque no livro de Levítico é sacerdote - כֹּהֵן – (lê-se: koren). Ela aparece 750 vezes na Bíblia Hebraica, das quais 194 vezes no livro de Levítico. Os sacerdotes no Antigo Testamento apontavam para Jesus Cristo. No Novo Testamento Jesus é chamado de Grande Sacerdote. bondoso e fiel em seu serviço a Deus, para que os nossos pecados sejam perdoados (Hb. 2:17). Ele é inigualável como sacerdote, pois é o Filho de Deus; entrou na presença de Deus; é capaz de compreender nossas fraquezas; foi tentado do mesmo modo que nós, mas não pecou (Hb. 4:14-16).
8. Nenhum outro livro da Bíblia tem mais ocorrências dessas palavras – sangue, santo, sacerdote - que as que temos em Levítico.
9. O livro de Levítico enfatiza a santidade e a importância de manter um relacionamento com Deus. Em seu conteúdo nós temos leis, rituais e diretrizes para adoração, bem como padrões éticos para os israelitas.
10. O livro de Levítico também trata das responsabilidades dos sacerdotes e levitas: qualificações sacerdotais, pureza ritual, festas anuais, ética e justiça social. Os mandamentos de Deus são importantes, Deus tem um padrão para os líderes e o povo em geral, Deus quer que sejamos santos.
11. No primeiro século o Cristianismo se tornou a religião mais estranha do mundo. Imaginemos um romano ou um judeu ou grego conversando com um cristão. Esses religiosos perguntam para um cristão: Onde é o seu templo? A resposta é: Nós não temos templo. Segunda pergunta: Quando é o dia do sacrifício de vocês? Nós não temos mais sacrifício. Tivemos um sacrifício perfeito, final e definitivo: Jesus Cristo, o Filho de Deus. Terceira pergunta: Quem é o seu sacerdote? Onde e quando ele trabalha? O nosso sacerdote é Jesus Cristo, ele se encontra sentado à direita de Deus Pai, e assim ele intercede por nós. O Cristão, então, completaria a explicação: Jesus Cristo é o nosso templo, sacerdote e sacrifício. A semelhança de Jesus Cristo, nosso Salvador, Mestre e Senhor, nós somos, também, o templo de Deus, do Seu Espírito. Porque Deus é Espírito e importa que aqueles que o adoram, o adorem em Espírito e em verdade (Jo.3:24).
Diante de tudo isso, os judeus, romanos e gregos, que há dois mil anos tinham os seus templos, sacerdotes e sacrifícios de animais, ficaram sem entender como uma religião como o Cristianismo poderia sobreviver, pois era diferente de tudo que poderia se pensar de religião naquele tempo.
12. Alguns exemplos na Torah (Pentateuco) que apontam para Jesus Cristo no Novo Testamento:
12.1. O animal do sacrifício devia ser: - תָּמִים – (lê-se: tamim) - Completo, inteiro, perfeito, irrepreensível, sem mácula, sem defeito (Êx. 12:5; 29:1; Lv. 1:3,10; 3:1,6; 4:3,23,32,28,32; 5:15,18; 6:6; 9:2,3; 14:10; 22:19,21; 23:12,18; etc.). Este sacrifício sem defeito aponta, também, para o Senhor Jesus Cristo, de acordo com o ensino do Novo Testamento. O apóstolo Pedro escreveu sobre Jesus como um cordeiro que não tinha defeito nem mancha (I Pd. 1:19). O escritor aos Hebreus disse que Jesus se ofereceu como sacrifício sem defeito (Hb. 9:14). O apóstolo Paulo disse que por meio da morte de Jesus Cristo, Deus, o Pai, fez com que nós ficássemos seus amigos, Ele nos trouxe a Sua presença não tendo nenhuma mancha nem culpa (Cl. 1:21-22).
Todo o ensino no livro de Levítico e no Antigo Testamento como um todo foi interpretado, no Novo Testamento, como relacionado a pessoa de Jesus (I Pd. 1:19).
12.2. O animal mencionado nos textos bíblicos acima era sacrificado, principalmente, por causa do pecado que as pessoas cometiam (Êx. 29:1,14; Lv. 1:3,4; 4:23-24; etc.).
13. A teologia do Sacrifício Substitutivo – Este é um conceito teológico central para a soteriologia cristã. Pela fé aprendemos no Novo Testamento que Jesus Cristo morreu como um substituto para os pecadores, suportando a punição que era deles por direito.
Esta doutrina está enraizada na compreensão da expiação e redenção conforme apresentadas na Bíblia, onde o sistema sacrificial do Antigo Testamento prefigura o sacrifício final de Jesus Cristo no Novo Testamento.
14. Fundamentos do Antigo Testamento para uma teologia substitutiva - O conceito de sacrifício substitutivo está profundamente enraizado no sistema sacrificial do Antigo Testamento.
A prática de oferecer sacrifícios para expiação é vista pela primeira vez no relato de Caim e Abel, onde a oferta de Abel é aceita por Deus (Gn. 4:4). O princípio da substituição é demonstrado mais explicitamente no relato de Abraão e Isaque, onde Deus fornece um carneiro como substituto de Isaque (Gn. 22:13).
A Lei Mosaica institucionaliza ainda mais o sacrifício substitutivo por meio do sistema levítico. O Dia da Expiação, ou Yom Kippur - יוֺם כִּפֻּר - (lê-se: yom kippur - Lv. 23:27,28; 25:9), é um exemplo significativo, onde o sumo sacerdote oferece um touro e um bode como ofertas pelo pecado para si mesmo e para o povo, respectivamente (Levítico 16:6-10). O bode expiatório, que simbolicamente carrega os pecados do povo e é enviado para o deserto, também ilustra a ideia de substituição (Levítico 16:21-22).
O Dia da Expiação acontece no dia dez do sétimo mês do calendário judaico, mês de setembro no nosso calendário.
O termo bíblico hebraico - יוֺם כִּפֻּר - (lê-se: yom kippur - Lv. 23:27,28; 25:9) – significa: dia do perdão, da reconciliação, reparação pelo pecado (erro) cometido.
A palavra kippur - כִּפֻּר - (lê-se: kippur) aparece seis vezes apenas na Bíblia Hebraica, mas tem um enorme significado (Êx. 30:10; Lv. 23:27,28; 25:9; Nm. 5:8; 29:11).
15. Antecipação Profética do sacrifício final (perfeito, definitivo)
Os profetas do Antigo Testamento falaram sobre um sacrifício futuro e definitivo que cumpriria e superaria a expiação temporária fornecida pelos sacrifícios de animais, como podemos ver no livro de Levítico. Isaías 53 é uma passagem fundamental, frequentemente referida como a profecia do "Servo Sofredor", que descreve um servo que "foi traspassado pelas nossas transgressões, foi moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz paz estava sobre Ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados" (Is. 53:5). Esta passagem é vista como um claro prenúncio da morte substitutiva de Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Servo do Senhor.
16. O Cumprimento no Novo Testamento do sacrifício final (perfeito, definitivo)
O Novo Testamento apresenta Jesus Cristo como o cumprimento do sistema sacrificial do Antigo Testamento. João Batista identifica Jesus como "o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo. 1:29,36), ligando-o diretamente aos cordeiros sacrificiais da Antiga Aliança. O apóstolo Paulo articula a doutrina da expiação substitutiva em várias de suas epístolas. Em 2 Coríntios 5:21, ele escreve: "Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus".
A Epístola aos Hebreus trata da superioridade de Jesus Cristo e do seu sacrifício superior e melhor que os sacrifícios do Antigo Testamento, afirmando: "Mas, quando este sacerdote ofereceu para sempre um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à direita de Deus" (Hb. 10:12; 9:11-14). Isso ressalta a finalidade e a suficiência da obra expiatória (redentora) de Jesus Cristo.
Em Atos 8:27-35, encontramos o registro de Lucas sobre a exposição bíblica de Felipe para o Etíope, com base no texto de Isaías 53. Jesus é a ovelha muda que foi levado ao matadouro e sofre o castigo que nós merecíamos.
17. As Implicações teológicas
O sacrifício substitutivo é fundamental para a compreensão da salvação na teologia cristã. Ele ressalta a gravidade do pecado, a santidade de Deus e a necessidade de um sacrifício perfeito para reconciliar a humanidade com Deus. A doutrina afirma que a morte de Cristo não foi meramente um exemplo de amor ou uma demonstração de influência moral, mas um ato vicário que satisfez a justiça divina.
O apóstolo Pedro trata dessa verdade em sua primeira epístola: "Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para o pecado, vivêssemos para a justiça. Por suas pisaduras vocês foram sarados" (1 Pedro 2:24). Essa passagem destaca o poder transformador do sacrifício substitutivo de Cristo, oferecendo aos crentes não apenas perdão, mas também uma nova vida em justiça.
Pastor Washington Roberto Nascimento