Os amigos de Jó - Uma breve reflexão

Data publicação 05/09/2024

Os amigos de Jó - רֵעֵי אִיּוֹב - (lê-se: reey Yov) – Jó 2:11.

Pastor Washington Roberto Nascimento

I – Análise da palavra: “amigo”, na Bíblia Hebraica.

A palavra Hebraica - רֵעַ - (lê-se: rea) – é um substantivo masculino, singular e tem a ideia de: um amigo, um companheiro, uma pessoa íntima, uma pessoa bem próxima, uma pessoa com quem se tem relações recíprocas.

A palavra - רֵעַ - (lê-se: rea) – no plural é: -רֵעֵי  - (lê-se: reey) – amigos, companheiros, pessoas próximas. Essas palavras, na forma singular e plural, aparecem 186 vezes na Bíblia Hebraica.

A primeira ocorrência da palavra amigo na Bíblia encontra-se dentro do contexto da construção da torre de Babel, Gênesis 11:3.

E eles disseram: um homem para um amigo (e vice-versa).

- וַיֹּאמְרוּ אִישׁ אֶל־רֵעֵהוּ – (lê-se: vaiomru el re-erru).

II – Pequenos comentários/reflexões sobre o texto e o tema a partir de Jó 2:11.

1. Não é possível dizer com precisão quanto tempo se passou entre as aflições sofridas por Jó e a chegada de seus amigos. Mas como seria bom termos um amigo ao nosso lado tão logo fôssemos atingidos por um infortúnio, uma perda, uma infelicidade!

2. É possível que os amigos de Jó fossem de seu mesmo nível social e econômico. Eles eram, provavelmente, pessoas ricas, de notável influência. Suas moradas seriam, possivelmente, distantes umas das outras. Possivelmente, eles demoraram um pouco para chegarem até onde Jó estava arrasado, triste e solitário.

3. Jó, certamente, tinha outros amigos, mas apenas 3 são mencionados no início deste livro: Elifaz, Bildade e Zofar. Um quarto amigo, Eliú, é mencionado bem mais tarde (Jó 32:1-6).

4. Jó 3:11 diz que os amigos de Jó:

4.1. Ouviram – o verbo em Hebraico é: - שָׁמַע - (lê-se: shamá). As más notícias se propagam mais rapidamente que as boas notícias.

4.2. Eles ouviram todo o mal -  כָּל־הָרָעָה -  (lê-se: kol rara-á) – a palavra - רַע – (lê-se: rá) – aparece 667 vezes na Bíblia Hebraica e significa: mal, ruim, maligno, desagradável, infeliz, calamitoso, etc. Nesta vida temos o bem e o mal. Como as pessoas se relacionam com Deus quando estão experimentando o bem em suas vidas? Como elas se relacionam com Deus quando estão experimentam o mal?

4.3. Os amigos de Jó foram com os propósitos de: 4.3.1. - לוֹ נוּד – (lê-se: nud lô) – chorar com ele; mostrar tristeza para/com ele; consolá-lo; simpatizar; lamentar; solidarizar; mostrar solidariedade a ele. 4.3.2. - וּֽלְנַחֲמוֹ - (lê-se: ulenarramô) – e confortá-lo. O verbo - נָחַם – (lê-se: narram) – significa: confortar, sentir pena, sentir muito, ter compaixão. Ocorre 108 vezes na Bíblia Hebraica.

4.4. Os amigos de Jó tinham boas intenções. Eles eram pessoas preparadas e cultas. Seus discursos revelam um conhecimento considerável, um notável saber. Mas algo deu errado. Jó disse para eles: “Em vez de me consolarem, vocês me atormentam” (Jó 16:2); “suas consolações são vazias” (Jó 21:34). Não basta saber o que falar, é preciso saber como falar e o quanto falar, entre outras coisas.

4.5. Há momentos em que a presença e o silêncio bastam para ajudar, consolar e confortar quem está sofrendo. Não poucas vezes as palavras falham diante do sofrimento e ao invés de ajudarem, atrapalham.

 

4.6. O livro de Jó começa falando como Satanás acusou Jó de não servir a Deus com sinceridade de coração, mas só com interesse nas bênçãos materiais de Deus. Satanás estava acusando não apenas Jó, estava, também, acusando a Deus, dizendo que Deus subornava Jó com suas bênçãos. A palavra Satanás no Hebraico é:  - שָׂטָן – (lê-se: satan) e aparece 27 vezes na Bíblia Hebraica, 14 vezes só no livro de Jó (Jó 1:6; 1:7 {2x}; 1:8,9,12 {2x}; 2:1,2 {2x}; 2:3,4,6,7), e significa: acusador, adversário. A Septuaginta, o Antigo Testamento em Grego, traduziu essa palavra por διάβολος (lê-se: diabolôs) – que aparece 38 vezes no texto Grego do Novo Testamento e significa: caluniador. De alguma maneira, os amigos de Jó se tornaram caluniadores, adversários, acusadores de Jó; se tornaram aliados de Satanás (Jó 4:7-8; 8:20; 11:13-14; 20:15,18; 22:4-9;).

4.7. Os “amigos” de Jó precisavam arrancar dele uma confissão de pecado, caso contrário eles viveriam sob a ameaça da mesma desgraça abater sobre eles, a despeito de toda religiosidade, piedade, bondade e justiça própria (Jó 4:7-8; 8:20; 11:13-14; 20:15,18; 22:4-9;). Essa ideia de que todo o sofrimento é consequência de algum pecado que cometemos se encontra presente, também, na mente dos seguidores de Jesus (Jo. 9:1-2). É a teologia da retribuição divina: onde há sofrimento, há pecado. Sofrimento como castigo de Deus.

4.8. A adversidade é um dos melhores testes para amizade. Falsos amigos nos abandonam na adversidade. Os amigos verdadeiros nos procuram para nos ajudar na adversidade, mesmo sem serem solicitados.

4.9. Jesus é um amigo maravilhoso, quando ele viu a nossa desgraça, ele veio de longe: caminhar conosco, sofrer conosco, sentir tristeza conosco, chorar por nós e conosco, sentir fome e sede conosco, ele veio nos curar, salvar, consolar, confortar e fortalecer.

4.10. O livro de Jó termina com Deus vindo ao encontro de Jó e falando com ele (Jó 39:1; 40:1; 40:3-5; 42:1-6). No final deste livro, temos, também, Jó orando em favor de seus amigos (Jó. 42:10). Jó para de lutar contra Deus e contra os homens; e começa a lutar com Deus em favor dos homens. Sem o saber, talvez, Jó estava lutando a favor de si mesmo, quando começou a lutar em favor dos seus amigos.

4.11. Deus abençoou a vida de Jó (Jó. 42:10). Somos abençoados quando aprendemos a sofrer com paciência, perseverança, esperança e fé.

4.12. Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra. E depois que o meu corpo estiver destruído, verei a Deus. Eu o verei com os meus próprios olhos; eu mesmo, e não outro! Como eu desejo tanto, de todo o meu coração, que isso aconteça logo! (Jó. 19:25-27).

Conclusão

Como seria bom caso fôssemos capazes de nos enxergar nas performances dos amigos de Jó! Nós, também, como eles, pensamos saber diferenciar o certo do errado, e o caminho de Deus e o caminhos do mal.  Acreditamos ter o diagnóstico, prognóstico e receita para os problemas de nossos amigos que sofrem.

Como seria bom se os amigos, pelo menos esses, nãos nos acusassem! Na verdade, quando fracassamos, nós mesmos, muitas vezes, já nos sentimos culpados. Podemos até sê-lo. Contudo, não podemos negar que podemos fracassar por causa de circunstâncias fora do nosso controle, por causa das complexidades e ambiguidades da situação, da relação, do trabalho, etc.

Infelizmente, estamos sempre julgando a nós mesmos e aos outros. Precisamos aprender a aceitar os outros e a nós mesmos com todas as imperfeições, fragilidades, perdas e sofrimentos.

Não conhecemos todos os caminhos de Deus, para todas as pessoas, nem para nós mesmos, em todos os tempos e lugares (Rm. 11:33). Vamos aprendendo o caminho enquanto caminhamos (Hb. 11:8).

Deus e os seus caminhos, muitas vezes, estão além daquilo que pensamos ou imaginamos. O que temos diante de nós é um espelho embaçado (I Co. 13:12).

É possível que sejamos culpados de julgamentos equivocados contra nossos amigos, pais, cônjuge, filhos e pessoas em geral. Que Deus nos perdoe! Que Deus os perdoe por terem confiado tanto em nós! Que Deus tenha misericórdia de nós e de todos os que sofrem enquanto caminham, enquanto vivem!

Pastor Washington Roberto Nascimento.