Uma breve reflexão sobre a Bíblia e a Evolução

Data publicação 23/08/2022

A evolução humana e a Bíblia

Pastor Washington Roberto Nascimento

A controvérsia entre fé e ciência, o ensino bíblico e a evolução humana, tem sua raiz em uma compreensão equivocada da Bíblia e, também, do que seja ciência, ou evolução.

Quando analisamos cuidadosamente o que o texto bíblico diz e o que a ciência ensina, percebemos que, na verdade, não há contradição. São duas realidades distintas, mas não antagônicas.

Há ignorância bíblica e cientifica que dificulta o diálogo e o entendimento entre fé e ciência. Os homens criaram Deus (na verdade, criaram deuses - porque há diferentes deuses)  e a ciência (na verdade, ciências, conhecimentos - os mais diversos).

Deus, o Senhor, o Eterno, é a causa não causada, que trouxe a existência: o tempo, o espaço, a matéria, a energia. Ora, por necessidade, deve haver fora do tempo, do espaço, da matéria, da energia, uma causa não causda para poder causar a existência de todas essas coisas, do mundo e de tudo que nele há. Todo efeito tem uma causa anterior, exceto a Causa não causada, a Causa Eterna - Deus, o Senhor, o Eterno. Ele foi quem, na verdade, criou o homem, o qual, por sua vez, tem um vazio infinito que só pode ser preenchido por aquele que é Infinito, Eterno. Essa sede (infinita) que o ser humano tem por sentido, propósito, dignidiade sua e do próximo e de tudo, é saciada pela fé no Eterno.

A ciência busca explicar todo o processo, como as coisas vieram a existir. A preocupação primária da Bíblia é diferente. O escritor bíblico apresenta o Deus da fé, não apenas como o Criador e sustentador de tudo e todos, a Causa não causada, mas um Ser – o Grande Eu Sou – o Eterno - que deseja ter comunhão com a obra prima de sua criação, o homem (Gn. 1:26-27; 2:7). Ele é aquele que do nada gera a vida; e da matéria morta, produz a matéria viva; e do ser inconsciente, o consciente; semelhante ao trabalho de um oleiro com a argila (Is. 64:8; 45:9; 29:16; Jr. 18:1-6).

A evolução humana tem a ver, em termos gerais, com todas as mudanças que foram lentas, mas consideráveis, ao longo do tempo, no universo, no planeta terra e em toda a forma de vida em nosso mundo.

Todos os seres vivos surgiram de um organismo unicelular, que foi ganhando complexidade progressivamente fruto da evolução.

Primeiro as células ficaram mais compartimentadas internamente com diferentes organelas sendo responsáveis por diferentes funções dentro da célula (produção de energia, "digestão do alimento", síntese de proteínas, etc.).

Eventualmente os organismos unicelulares se juntaram para formar pluricelulares, aumentado a sua capacidade de sobreviver num meio ambiente agressivo, o que implica em evolução.

Em termos gerais, podemos falar que todos os seres vivos surgiram de um organismo unicelular. E toda a vida na terra é baseada em código genético de DNA ou RNA. Ambos podem sofrer mutações.

Mesmo os vírus, por exemplo, há vírus de DNA e RNA. Eles evoluem com base em mutações que, em alguns casos, fazem com que as vacinas deixem de funcionar ou percam a eficácia.

A evolução tem a ver com o gene. E gene é o nome que se dá a uma parte do DNA. E o DNA é um tipo de ácido nucleico que possui destaque por armazenar a informação genética da grande maioria dos seres vivos.

As mudanças de genes (ou mutações) ocorrem frequentemente no processo de multiplicação celular. A célula tem maneiras de evitar que erros ocorram, mas nem sempre com sucesso. É por isso que surgem algumas doenças como o câncer.

As mutações nem sempre são más e por vezes levam a mudanças positivas. Imagine, por exemplo, um animal que graças a uma mutação fique com mais massa muscular e que por isso corra mais rápido. Se for esse o caso, essa mutação aumenta as chances deste animal sobreviver e ter crias, passando para a geração seguinte essa vantagem. E isto é a base da evolução das espécies.

Este processo de mutação continua a acontecer nos seres humanos hoje em dia. Contudo, como nós dependemos menos da natureza para a nossa sobrevivência é difícil que tragam vantagens ou desvantagens claramente visíveis.

A exceção são as mutações que causam doenças (por exemplo: malformações, atrasos do desenvolvimento cognitivo ou motor, câncer, etc.). Aí, claramente, temos uma desvantagem e se não fosse a ciência moderna teríamos um efeito negativo ainda maior.

Uma população com muita miscigenação, como a brasileira, tem um pool de genes maior que uma mais fechada como a japonesa.

As mudanças genéticas de todo e qualquer ser vivo ao longo de milhares de anos, podem ser estudas e vistas nas mais diferentes formas e aspectos. O seu estudo nos ensina que todos temos um ancestral comum. Mesmo que esse ancestral receba de um cientista ateísta um nome diferente daquele dado por um teólogo, pois do ponto de vista teológico, todos procedemos de Deus. Ele é o nosso criador e sustentador.

Grande parte do problema entre ciência e a Bíblia encontra-se em uma compreensão errada não apenas do que seja ciência, mas de como ler e entender a Bíblia.

Não devemos buscar o entendimento da Bíblia literalmente. Precisamos levar em consideração a natureza religiosa de seu texto; o seu contexto histórico, político, cultural, o propósito do escritor, etc.

As histórias, por exemplo, no início da Bíblia sobre a criação, precisam ser entendidas, mas não literalmente. Seu escritor quer defender a importância do sábado como um dia de culto, de descanso, de comunhão com o Eterno. Seu propósito não é escrever  um tratado científico sobre a criação do cosmo ou do planeta terra em seis dias de 24 horas cada (Gn. 2:1-4).

As narrativas bíblicas (Gn. 1; 2; 3) têm a ver mais sobre o relacionamento de Deus com a humanidade; quem Deus é, e quem somos; ele é o criador que cuida e deseja ter comunhão conosco, deseja o céu na terra.

As histórias bíblicas sobre a criação (Gn. 1;2;3), não são tratados científicos, arqueológicos, cosmológicos; de antropologia.

Podemos, é claro, ver nos textos bíblico, a fé de seu escritor no poder de Deus, sua grandeza, e, principalmente, o seu amor, o seu desejo de ter comunhão conosco; o seu cuidado.

Podemos, igualmente, ter uma ideia da humanidade, do homem, de sua natureza rebelde, sua desobediência, seu pecado, seu distanciamento de Deus por causa disso.

Quando fazemos uma interpretação equivocada das Escrituras Bíblicas e ignoramos as figuras de linguagem, alegorias, metáforas, hipérboles, parábolas, etc.; cometemos um grande erro.

O homem apresentado pelo escritor bíblico, criado a imagem e semelhança de Deus, o Seu Criador, é o clímax de sua obra. Na história bíblica, este é um ser em construção, em constante restauração. Ele ainda não está pronto, encontra-se em fluxo, movimento ininterrupto de transformação; de renovação constante.

Quando lemos um texto não científico, isto é, um texto religioso, teológico, produto da fé no Deus que adoramos e servimos na terra; mas o consideramos literalmente como um texto científico, fazemos violência a natureza literária das narrativas da Bíblia e causamos grande prejuízo a fé cristã. 

Por nossa causa sofremos ataques impiedosos dos que não pertencem a Igreja de Cristo, pois percebem, baseados em nossa má interpretação, que os escritores bíblicos eram homens ignorantes que falavam/escreviam coisas que não sabiam, não conheciam, e que não estão de acordo com a realidade do (saber) mundo científico, por isso não merecem crédito.

Assim sendo, a Palavra de Deus, a Bíblia, por causa de nossa maneira errada de interpretá-la, é zombada e rejeitada, por muitos.

O ensino Bíblico e o ensino científico podem ser complementares; a criação e a evolução não precisam viver se digladiando; a teologia e a ciência não têm que viver em guerra.

Não é absurdo pensar, de acordo com o ensino bíblico, que Deus dirigiu (e dirige ainda hoje) todo o processo de criação e evolução; porém o propósito primário da Bíblia não é explicar como Deus fez (ou faz) isso; como ele dirigiu (ou dirige) o processo da evolução (ou de desenvolvimento) da vida (da mente humana), da expansão do universo; etc.

Os escritores bíblicos falam, principalmente, de seu testemunho de fé em um Deus todo Poderoso, Justo e Bom, que age através da história humana com o propósito de construir um novo homem em Cristo, uma nova humanidade, uma família, um reino, onde há justiça paz e alegria (Rm. 14:17).

A bênção de Deus sobre o ser humano encontra-se no fato de sermos espírito, termos a consciência de nossa liberdade de escolhas e responsabilidade na construção desse nosso ser, que se encontra em processo.

Somos um ser que no presente construímos o nosso futuro e o futuro de uma nova humanidade onde o nosso próximo está presente como o nosso irmão. Temos um Pai comum – O Pai é Nosso, não é apenas meu, como ensinou Jesus (Mt. 6:9) e o Evangelista Lucas (Lc. 3:38), a Bíblia toda, e o Novo Testamento de maneira especial.

É irracional defendermos a vida, a criação sem evolução, desenvolvimento, transformações.  É impossível pensar na vida, na existência de tudo estático, sem alteração alguma. Isso seria uma ofensa a inteligência, a razão.

O Deus da fé revelado na Bíblia é poderoso, justo e bom. Sua natureza é abundantemente criativa e fecunda cheia de graça e verdade, e vai muito além de tudo aquilo que pensamos (Is. 55:8-10).

Quem conheceu a mente do Senhor? Quem foi seu conselheiro? O apóstolo Paulo pergunta, citando o texto de Isaías 40:13 (Rm. 11:34; I Co. 2:16). A resposta é ninguém. Caso o pudéssemos compreender plenamente, ele não seria o que é: O Eterno, o Grande Eu Sou.

O nosso Deus não apenas criou todas as coisas, mas ele continua criando, moldando, dirigindo, agindo de maneira maravilhosa e surpreendente em tudo e em todos.

Ele, com sua natureza criativa, está por detrás do nascimento de cada organismo e de cada ser, sinal do derramamento incessante de Seu poder e graça.

A verdade não contradiz a verdade, seja ela teológica ou científica. Deus é a verdade. Nenhuma verdade, portanto, pode contradizer a Deus. Deus, que é a verdade, não está em conflito com a verdade da fé bíblica e nem com a verdade científica.

Como cristãos, precisamos evitar nadar em águas dos mares de incertezas, com visões aparentemente contraditórias de mundo. Não temos o monopólio da verdade, isso exige de nós humildade e fé em nossa caminhada como peregrinos aqui na terra.

Quando temos uma postura de guerra, contradizendo saberes científicos que há evidências empíricas de sustentação, negando o que o mundo científico em quase toda a sua totalidade aceita; como poderemos nutrir a esperança de sermos ouvidos ao falarmos de nossa fé: o reino de Deus, o seu amor, a morte e ressurreição de Jesus; todas essas coisas tão preciosas para nós, mas que não têm nenhuma evidência empírica?

Mesmo que não sejamos capazes de explicar de maneira confortável a reconciliação entre a verdade da Bíblia e a verdade da ciência, nós devemos prosseguir com humildade e paciência; com o uso da razão e da fé; até que um dia, com mais luz, possamos fazê-lo, porque agora vemos como em espelho, agora conhecemos em parte, mas um dia conheceremos como hoje gostaríamos de conhecer (I Co. 13:12). Eis a promessa de Sua Palavra.