Uma breve reflexão sobre a Teologia Bíblica do Antigo Testamento com base no tema da aliança

Data publicação 11/12/2024

Uma breve reflexão sobre a Teologia Bíblica do Antigo Testamento com base no tema da aliança

Pastor Washington Roberto Nascimento

Introdução

O tema da aliança é central na Bíblia. Ele aparece na relação dentre Deus e as pessoas, famílias, povos (nações), a humanidade. E aparece, também, nas relações humanas, isto é, nas relações simplesmente entre pessoas. Abraão fez uma aliança com Abimeleque (Gn. 21:27); Josué (Israel) fez uma aliança com os moradores de Gibeão (os gibeonitas – Js. 9:3-16); Davi fez uma aliança com Jônatas (I Sm. 20:16); etc.

Uma aliança, em termos bíblicos, é um pacto, um acordo entre duas partes.

Muitas vezes o tema da aliança traz consigo outros temas: o tema da salvação, o tema da promessa, do êxodo, de Deus, etc.

Não é possível negar que esses temas bíblicos estão relacionados entre si direta ou indiretamente. A abordagem de um tema separado dos outros só tem propósito didático.

1. A definição/ideia da palavra: aliança.

Na Bíblia Hebraica a palavra aliança é: בְּרִית – – (lê-se: berit); e no Novo Testamento Grego a palavra aliança é: - διαθήκη – (lê-se: diatéke).

Essas palavras na Bíblia, em Hebraico e em Grego, significam a mesma coisa: aliança, concerto, pacto, tratado, acordo, contrato, testamento, relacionamento entre as partes, relacionamento marcado pela amizade, fidelidade, respeito, amor, etc.  

A Bíblia é conhecida entre nós como tendo dois testamentos: O Antigo Testamento e o Novo Testamento. Podemos e devemos entender como: Antiga Aliança ou Pacto ou Concerto e Nova Aliança, Pacto, Concerto.

 A palavra Hebraica בְּרִית – – (lê-se: berit) - tem relação direta com a palavra Hebraica: - בָּרָה - (lê-se: bará) – que significa: comer (II Sm. 3:35; ) e que é uma palavra homófona da palavra Hebraica: - בָּרָא – (bará) – que significa: criar (Gn. 1:1).

Palavras homófonas existem em todas as línguas. A palavra homófona vem do Grego e significa: som igual (ou semelhante, junto, um com o outro) - ὁμοῦ - (ou ὁμός – advérbio e/ou conjunção) - igual, como, semelhante, junto, um com o outro (Jo. 4:36; 20:4; 21:2; At. 2:1) - + - φωνή - som, voz, barulho (Mt. 2:18; 3:3,17; etc.).

A ideia de uma refeição para celebrar a aliança encontra-se presente em toda a Bíblia (Gn. 31:43-55; Êx. 24:1-11; Is. 25:6-9; Mt. 26:26-30; Mc. 14:22-26). Em Gênesis 31:44, Êxodo 24:7,8; e em Mateus 26:28; e Marcos 14:22-26 nós encontramos a palavra aliança em Hebraico בְּרִית – – (lê-se: berit) - nos textos do Antigo Testamento; e a palavra aliança em Grego - διαθήκη – (lê-se: diatéke), nos textos do Novo Testamento.

A palavra Hebraica בְּרִית – – (lê-se: berit) - ocorre 284 vezes na Bíblia Hebraica.

A palavra Grega - διαθήκη – (lê-se: diatéke) – aparece 33 vezes no texto Grego do Novo Testamento.

A primeira vez que a palavra aliança בְּרִית – – (lê-se: berit) - aparece na Bíblia (Gn. 6:18), ela aparece relacionada intimamente com a palavra graça (Gn. 6:8) - חֵן – (ren – aparece 69 vezes no AT) – que foi traduzida pela palavra Grega - χάρις – na Septuaginta, que aparece 157 vezes no texto Grego do Novo Testamento.

2. O Deus da Aliança - Os Pactos de Deus na Bíblia.

Há, pelo menos, quatro pactos (concerto, aliança, tratado, etc.) no texto hebraico do Antigo Testamento - בְּרִית – ברית – (lê-se: berit) - E, no texto Grego do Novo Testamento e da LXX - διαθήκη - (lê-se: diathéke) - onde há a ocorrência literal da palavra original: pacto (aliança, concerto, tratado).

Eis os pactos: Com Noé, com Abraão, com Israel (por meio de Moisés), com Davi e o anúncio do Novo Pacto.

2.1. A aliança de Deus com Noé (Gn. 6:18; 9:9; 11, 12, 13, 15, 16, 17). O sinal - אוֹת – (lê-se: ôt – Gn. 9:12,13,17) dessa aliança foi o arco na nuven - קֶשֶׁת – (lê-se: keshet – Gn. 9:12-17).

A palavra arco no texto Hebraico - קֶשֶׁת – (lê-se: keshet – Gn. 9:12-17) - significa arco no sentido de arma. Essa palavra aparece 76 vezes na Bíblia Hebraica sempre com o sentido de arma de caça ou guerra, nunca com o sentido de arco-íris.

A palavra nuvem no texto Hebraico - עָנָן – (lê-se: anan - Gn. 9:13,14,16; Êx. 13:21.23; 14:19,20,24; 33:10; Lv. 16:2; etc.) - aparece 87 vezes na Bíblia Hebraica com o sentido predominante de: teofania simbólica (Êx. 13:21,22; 14:19,20,24; 16:10; etc.), proteção (Nm. 14:14; 16:42) ou incenso/fumaça (Lv. 16:2,13) ou parede/laje/obstáculo (Lm. 3:44).

Essa palavra: nuvem – עָנָן – (lê-se: anan) – só aparece uma vez no plural: nuvens - עֲנָנִים -  (lê-se: ananin - Jr. 4:13). E a ocorrência no plural, em Jeremias 4:13, trata da invasão destruidora/avassaladora em Jerusalém por parte do Império Babilônico.

Em todos os outros textos bíblicos, caso a palavra “nuvem”  - עָנָן – (lê-se: anan)  - apareça no plural na Bíblia em Português, pode corrigir. Pode colocar no singular. A única exceção é Jeremias 4:13.

O sinal da aliança de Deus com Noé não tem nada a ver com o arco-íris. E o mais importante não é o sinal. O mais importante é a sua ideia, o seu significado.

A ideia básica e essencial do arco na nuvem na aliança de Deus com Noé é a seguinte: Deus não vai mais nos destruir. Mas é claro que o cumprimento dessa promessa se realiza parcialmente no Antigo Testamento, e plenamente na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, de acordo com o Novo Testamento. Pela Sua graça somos protegidos da ira de Deus.

Podemos dizer, a título de esclarecimento, que o arco na nuvem revela uma influência da civilização hitita.

Os hititas eram conhecidos por seus designs inovadores de carruagens, que desempenhavam um papel crucial em suas estratégias militares. Uma característica distintiva das carruagens hititas era o arco do teto da carruagem. Este elemento arquitetônico não era apenas funcional, mas também simbólico.

As carruagens serviam não apenas como meio de transporte, mas também como plataformas para arqueiros que podiam atirar com seus arcos poderosos enquanto se moviam, aumentando a mobilidade e o poder destruidor durante os combates.

Pinturas de arcos de guerra no teto de carruagens hititas são um aspecto fascinante de sua herança artística e cultural. Essas pinturas frequentemente retratavam cenas de batalha, mostrando a importância da guerra na sociedade hitita. As imagens normalmente incluíam guerreiros, carruagens e arcos, simbolizando a proeza militar e as vitórias dos reis hititas e seus exércitos.

As pinturas serviam tanto para um propósito decorativo quanto simbólico, reforçando o poder do rei na batalha e o seu favor (graça/bondade) quando o arco estava (pendurado) na nuvem (no teto) de sua carruagem. Essa pintura do arco no teto era um lembrete visual do papel do rei como guerreiro e líder conquistador, bem como um testamento das suas armas de guerra: o arco, as carruagens, etc.

2.2. A aliança de Deus com Abraão  tem um alcance extraordinário (Gn. 15:18; 17:2,4,7,9,10,11,13,14, etc.). Essa aliança envolve terra, descendência (povo/nação/família) e bênção espiritual.

Embora os povos da terra tenham sido abençoados através do filho (descendente) de Abraão, José; sabemos que a aliança (e promessa) de Deus com Abraão se cumpre plenamente na pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, de acordo com o ensino do Novo Testamento (Gn. 12:1-3; Mt. 1:1; Rm. 4:1-12; Gl. 3:6-20; 4:21-31; etc.).

Em Gênesis 17:11 e 13 temos o ensino da aliança e do sinal - אוֹת – (lê-se: ôt – Gn. 17:11) - da aliança com Abraão; e o sinal dessa aliança: a circuncisão. Mas a circuncisão é, também, um sinal de purificação (Cl. 2:11; Dt. 10:16; Lv. 26:41; etc.). A ideia é: aquele que faz aliança com o Senhor precisa ser puro (ou purificado).

No Novo Testamento aprendemos que Jesus, com o seu sangue (palavra, ensino, Espírito), nos purifica de todo o pecado (Jo. 15:3; I Jo. 1:9; etc.).

2.3. A aliança de Deus com Israel (Êx. 19:5; 24:7,8; 31:16,17; etc.). O sinal - אוֹת – (lê-se: ôt) - da aliança entre Deus e Israel é a guarda do sábado (Êx. 31:16,17).

No Novo Testamento aprendemos que nós, os que cremos em Jesus Cristo, somos o Israel de Deus, o povo do Senhor (Rm. 9:6-8; Gl. 3:6,7,14; etc.).

2.4. A aliança de Deus com Davi (Sl. 89:1-3; 20,24,28,33,34; II Sm. 7:1-17; I Cr. 17:1-15). O sinal da aliança entre Deus e Davi é: a perenidade  do trono de Davi (II Sm. 7:16).

É em Jesus Cristo e não em Salomão que a aliança e promessas de Deus se cumprem com respeito a perenidade do Reino/Trono de Davi (Lc. 1:32-33; 13:29; Fp. 2:9-11; Ap. 11:15; etc.).

2.5. A nova aliança prometida/profetizada (Jr. 31:31-34; Ez. 11:19,20; 36:26-27). A Nova Aliança em Hebraico -  בְּרִית חֲדָשָה – (lê-se: berit radashah) – significa: O Novo Testamento, o Novo Pacto – No texto Grego da Septuaginta e no texto Grego do Novo Testamento é: διαθήκην καινήν (lê-se: diatéken kainen – substantivo + adjetivo – gênero feminino, singular, acusativo).

Encontramos referências diretas e indiretas à Nova Aliança no Antigo Testamento (Dt. 10:16; 18:15; 30:6; Sl. 51:10; etc.).

2.6. A nova aliança realizada/cumprida por Jesus Cristo (Lc. 22:20) - ἡ καινὴ διαθήκη – (lê-se: rê kainè diatéke – artigo com aspiração áspera + adjetivo + substantivo, feminino, singular, nominativo –  acento grave; acento agudo – há acento circunflexo em Grego, mas ele não se encontra aqui). Veja, também, Hebreus 8:6-7; 9:15.

Jesus nos apresenta da parte de Deus (do Pai) uma melhor aliança: Ele, Jesus, é o sacerdote superior/melhor (Sl. 110:1,4; Hb. 5:5-6; Sl. 2:7; Hb. 6:20; 7:17-22) e o sacrifício incomparavelmente melhor dessa nova aliança. Ele deu o seu sangue para selar a aliança (I Pd. 1:18-19; Hb. 9:25-28).

Há vários textos relacionados, direta ou indiretamente, a essa nova aliança profetizada por Jeremias (e Ezequiel) que merecem atenção: Mateus 8:5-13; Gênesis 12:3b; Gálatas 3:6-9, 13,14, 26-28; Mateus 26:26-28; etc.

O sinal desse nova aliança é o Espírito Santo como um selo do Senhor (Ez. 36:27; Ef. 1:13-14; 4:30; II Co. 1:22; 5:5).  

2.7. O cumprimento da Novo Aliança encontra-se em todo o Novo Testamento.

Conclusão

A celebração da aliança de Deus (e das alianças entre as pessoas) com uma refeição pode/deve ser um sinal especial de amor entre as partes envolvidas. É um sinal de comunhão e amizade entre Deus e nós (entre nós e as pessoas com as quais temos alguma alinça).

Celebrar a Ceia do Senhor na Igreja de Jesus Cristo pode contar, também, com uma refeição com a participação de todos os crentes e seus familiares, suas crianças e amigos.

Portanto, é uma boa maneira de evangelizar, promover a paz entre os irmãos e mostrar a um mundo ferido o amor que temos uns pelos outros.

A igreja pode e deve ter refeições de comunhão e todos nós devemos nos esforçar para participar delas.

A Igreja não deve ser um lugar onde nós vamos apenas para receber e/ou dar alguma coisa. Precisa ser um lugar de comunhão - κοινωνία – (lê-se: koinonía), amizade, interação, relacionamento marcado pelo amor, pelo conhecimento, cuidado um do outro.

Você também pode considerar compartilhar uma refeição em sua casa com alguém em sua igreja ou vizinhança que você não conhece muito bem com o propósito de evangelização ou de revelar o amor de Cristo, as boas novas, Evangelho de Deus, de Cristo Jesus, da Igreja, nosso.

Pastor Washington Roberto Nascimento

Bibliografia

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https://biblehub.com/

Blue Letter Bible Search

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